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Carta a Nicolau

Nicolau, pensativo, circulava de um canto para o outro da sala. Como poderia ele satisfazer este pedido? Todos os anos dedicava um tempo especial àqueles que partilhavam da sua idade, embora muitos tivessem deixado de acreditar na sua existência. Esforçava-se por descobrir os desejos de cada um, mas este era diferente.

Nicolau era um homem já com alguma idade, mas desde novo que pensa num mundo melhor. Agora já se perde um pouco entre o presente e passado. Por vezes pensa que ainda é capaz de correr o mundo e fazer felizes os outros, mas outras vezes cai na realidade e pensa que já não é tão útil como antes.

O peso de corresponder às expectativas que todos têm dele, especialmente nesta altura natalícia, fazem com que a ansiedade tome conta de Nicolau. Pior ainda, este ano trouxe-lhe desejos muito difíceis de concretizar, levando Nicolau a pensar até em reformar-se! Tudo isto melhorou quando Nicolau recebeu uma visita especial.

Quando abriu a porta as suas mãos tremiam e o coração estava a tremelicar. Nesta altura do ano, raros eram os que se atreviam a visitá-lo, sabendo de antemão o quão atarefado ele se encontrava. Mas esta visita, além de inesperada, era desejada e talvez fosse tudo o que ele necessitava para acalmar a ansiedade que estava a tomar conta dele.

- Olá Nicolau...- disse a visita, hesitante e nervoso, - sei que está muito atarefado, sei... desculpe...mas...eu queria fazer um bolo caneca! Mas parti a caneca...tive de fazer um bolo normal! Sujei tudo, usei a...

- Calma Bruno, calma...

Nicolau sabia que era difícil calar aquele que foi o seu primeiro duende, reformado há 20 anos, e também o seu único e solitário vizinho.

Ficava tão entretido a tentar acalmar o velho amigo, que acabava por se esquecer das suas próprias preocupações. Mas, desta vez, era diferente porque precisava realmente da ajuda de Bruno com este pedido de última hora, tal como nos velhos tempos.

- Bruno - chamou Nicolau, - ouvi-te tantas vezes que agora preciso que sejas tu a ouvir-me. Ontem recebi um pedido no correio. Pedia-me algo tão enorme, tão profundo, tão soberbo que nem sei se o consigo dar.

-Então Nicolau, não me diga que era uma viagem à lua?

-Oh Bruno, que parvoíce! A minha memória já não está totalmente sã, e preciso da tua ajuda. Esta carta é de uma senhora chamada Maria. Diz assim:


Nicolau, não sou muito de escrever cartas, muito menos para si. Tentei várias formas de colmatar a minha solidão. A minha idade é muito avançada e sinto-me totalmente sozinha, O meu marido morreu com uma doença degenerativa, os meus filhos têm as vidas deles e são raras as vezes que vêm a Portugal, o nosso único contacto tem sido por telefone. Nicolau, não tenho mais ninguém. E pensei em si. Nicolau, você é meu amigo? Eu preciso tanto de um amigo, sinto-me só! Pode ajudar-me?

- Isto parece uma situação muito difícil de resolveres, Nicolau! – comentou Bruno.

Nicolau ouviu as palavras de Bruno mas, na sua cabeça, habitava apenas uma solução para este problema.

- Pelo contrário, Bruno! A Sra. Maria precisa de companhia e amor, tu vives sozinho e de bolos... Vieste trazer-me a solução para tudo isto! Porque não te envio para junto dela e assim apoiam-se um ao outro?? Serás a minha prenda para ela! Que dizes?


- Oh Nicolau mas eu tenho lá idade para servir de prenda para alguém? – disse Bruno.


- Oh velho amigo, que comentário é esse? A idade é só um número, o que importa é estarmos vivos e celebrarmos isso. A única coisa que te peço é para ires fazer uma visita a esta senhora neste natal. Assim como se fosses o meu enviado especial! Tu sabes o quão importante é esta época e o quão difícil é, nesta altura, estarmos sozinhos…


- Sim, tens razão. - confessou o Bruno, - aliás...essa é uma das razões pelas quais lhe fiz esta visita. Sabe Nicolau, este ano foi muito duro. Todos os anos são complicados, mas este...este apertou-nos a alma. E tentamos distrair-nos, fazemos exercícios tolos, partimos as canecas com os braços, acabamos a fazer bolos XXL com a gana dos programas de culinária!... Mas só queremos partilhar. Não sei se compreendes, és o meu único vizinho e estás sempre ocupado...mas às vezes, é só isso que desejamos: um amigo e dois dedos de conversa.


Nicolau baixa o olhar e, perante esta confissão do seu velho amigo e vizinho, diz:

- Compreendo velho amigo, compreendo bem. Por isso, foi-me tão difícil satisfazer este desejo...ou melhor, foi difícil perceber o quão simples é satisfazê-lo. Vamos os dois visitar a sra. Maria e passar o Natal com ela. O que achas, velho amigo?


Natal, 2020

Psique Teatro

 

Este texto foi escrito pelas mãos da equipa do Psique Teatro, num processo criativo em corrente - cada um de nós escreveu um parágrafo e, um a um, foi construindo esta história! Fizemo-lo para si, que nos lê e acompanha as nossas atividades, de modo a fechar este ano tão atípico com uma mensagem de esperança nas nossas redes sociais.


Queremos também partilhar este simples processo criativo, que poderá tornar-se uma atividade simples de fazer em família ou entre amigos, promovendo a criatividade em grupo de uma forma tão fácil e divertida! (também segura, se o fizerem através de mensagens ou de e-mail.)


Desejamos um Natal cheio de sorrisos, amor e saúde. Obrigada por nos acompanhar!


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